Família, O Mundo Das Crianças, Pessoas

Permito-me

Ser filho é algo desafiante. Desde pequenos que nos é imposto alcançar tudo o que os nossos pais determinam como sendo o correto.

Comer com os talheres, sentar direito à mesa, arrumar os brinquedos, crescer com regras, ser educado, fazer as tarefas de casa, da escola, tirar boas notas, praticar desporto, estudar para tirar ainda melhores notas…

Já pensaram o quão difícil se torna ser filho? Ser filho é estar sempre à prova, é não desiludir de nenhuma forma os nossos pais, é ter regras para tudo quase sem perceber porquê. Estranho, certo?

Tudo o que descrevi, são pontos importantes na educação de uma criança, não é?

Estes dias, o meu filho entrou no carro e disse: “Mãe, já sei a nota de Ciências, tirei 97%”. Toda orgulhosa eu respondi: – “Boa filho! Estou orgulhosa de ti, muito bem”, ao que ele me responde: “oh mãe, ficas mais contente do que eu, para mim é só uma nota”. Intrigada perguntei: – “Então não ficas feliz por tirar boa nota?”, ao que ele me responde: – “fico, mas só tiro boas notas para te ver feliz”. 

As crianças procuram a constante aprovação de quem os ama, querem-nos ver felizes sem nada em troca. Existe amor mais puro do que este?

Nós adultos, muitas vezes sentimos que damos demasiado e não recebemos na medida certa. Mas será que olhamos de igual forma quando exigimos o máximo dos nossos filhos? Todas as relações têm por base o dar e receber. 

Todas!  Especialmente, a relação entre pais e filhos.

Não são apenas regras que devemos exigir, também devemos providenciar, com amor, memórias que vão fazer das nossas crianças o ser adulto. 

O adulto que somos hoje, é reflexo em parte, da criança que fomos ontem.

Permito-me voltar a ser criança quando faço algo com os meus filhos e vejo a alegria nos olhos deles. Não importa a diferença de idade, os dois reagem da mesma forma. 

Os laços que criamos com os nossos filhos, quando participamos nas atividades que eles mais gostam, são memórias que vão permanecer. Devemos educar e preparar os nossos filhos para o futuro, mas também os devemos compensar do árduo trabalho que é ser filho. 

Façam este exercício:

O que mais ouvimos hoje dos pais é: “ o meu filho não larga o telemóvel, o meu filho não larga o computador. Concordam? E todos estamos de acordo que eles não devem passar tanto tempo no telemóvel e no computador.

Agora respondam: 

O que estamos a fazer, nós adultos, para que eles larguem os telemóveis e os computadores? Resmungar com eles porque estão muito tempo no telemóvel? Arrancar o telemóvel da mão e dizer já chega? Inscreve-los numa atividade? Acertei?

E se os convidássemos para ir ao cinema ver um filme que eles gostam? E se fossemos fazer uma caminhada para apanhar aquelas coisas que eles fazem coleção e nós não achamos piada nenhuma mas eles gostam. E se resolvêssemos pintar os dois o cabelo de azul porque vai jogar o clube e eles acham piada? E se nos sentássemos e jogássemos com eles e depois os convidássemos para fazer o jantar?

Cá em casa jogamos ao Stop na hora de jantar. Demora uma eternidade para comer, mas fica feliz.

Permito-me também ser criança! Permito-me ser ensinada por uma criança. Sim, eles têm muito para ensinar e gostam de sentir que conseguem fazê-lo, principalmente se for à mãe ou ao pai! 

Esforço-me por criar memórias e ver o sorriso no rosto daqueles que mais amo.

José Saramago disse: 

“Filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado. Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo.”

Concordo num todo com o Senhor Saramago.

São apenas um “empréstimo”, permito-me aproveitar todos os momentos que eles me têm para oferecer, mergulho no mundo deles, ouço e orgulho-me de cada feito conquistado, de cada escada subida, de cada meta alcançada, mas tenho uma palavra de amor a cada falha cometida, a cada fracasso sucedido, a cada dificuldade.

Ser filho também é difícil e a maior desilusão para eles é não terem alcançado aquilo que nós pais, esperamos deles.

Sou grata, por ter dois desses seres emprestados. E quando um voar, ainda tenho outro para aproveitar mais um bocadinho.

Até já!  “Confissões de uma mãe”

Sofia Ramos